Temos como característica marcante na cultura da escola onde sou gestora o modo tradicional de ensinar (ainda), com o professor enquanto centralizador do conhecimento, postado na frente dos alunos, exigindo que este fique em silêncio, além do modo quantitativo de avaliar, adotado por mais ou menos, 90% do corpo docente. No último momento pedagógico comentei com os professores que parece que estamos trabalhando sobre a filosofia do “grito”. Obtive como resposta por parte de dois deles, que essa linguagem é única que os alunos entendem. Constantemente pode se ouvir, professores e inspetores de escola (atuais agentes de organização escolar), gritando com os alunos como forma de conseguir a disciplina. Fico muito insatisfeita em ter que admitir isso, mas por mais que eu, enquanto gestora, e a coordenação pedagógica, procurem dialogar e refletir com os docentes, sobre o impacto que isso causa nos alunos e que em nada essa atitude concretiza a ordem do silêncio além de repelir o desejo de aprender, os professores demonstram não se importarem e falam enfaticamente que é assim que tem que ser e assim pretendem continuar a agir. Apesar de alguns professores conseguirem que os alunos produzam atividades e ministrem suas aulas sem gritos, nem sempre conseguem atingir um aprendizado de qualidade. Ainda estamos longe da aula ideal. Antes mesmo de pensar na melhor maneira de avaliar, deveríamos conceber a melhor maneira para ensinar. O maior desejo é que os professores conseguissem diversificar suas aulas e não ficassem tão presos aos livros didáticos e agora, aos cadernos de alunos como únicos materiais de apoio, como ocorre constantemente. O professor alega falta de tempo no preparo dessas atividades, pela sua ampla jornada de trabalho ou pelo acúmulo de cargos que, na escola em questão é a realidade de 25% do corpo docente. Também alegam ter que completar suas jornadas de trabalho em mais de uma escola e perdem muito tempo se locomovendo de uma unidade escolar para outra, além de chegarem ao final do dia muito cansado e sem estímulo para o preparo de uma aula diversificada. Chegam no dia seguinte para mais um dia de trabalho com o giz, a lousa, o apagador e a saliva. Os alunos se mostram cada vez mais desinteressados com a escola, e simplesmente alegam que não aprendem nada nela. Mas mesmo sem aprender, temos a progressão continuada que garante que eles passem pela escola, atravessem os ciclos e terminem sua educação básica, muitas vezes sem conseguir ler ou escrever (preocupante, embora real).
Os horários de discussão coletiva não são suficientes para beneficiar a formação do professor em serviço ou a construção do projeto pedagógico. É comum professores cumprirem as horas de trabalho pedagógico coletivo, que faz parte de sua jornada de trabalho dividindo as, nas duas ou três unidades escolares que ministra suas aulas, o que acaba por prejudicar o comprometimento integral por parte desses docentes. O absenteísmo de professores é um problema a ser considerável em nossa rotina, ainda mais por não termos professores eventuais. Neste ano ministrei algumas aulas, obviamente sem remuneração extra, apenas para garantir o dia letivo ao aluno, desviando minha função enquanto gestora.
Fora isso, temos presenciado brincadeiras violentas entre os alunos em nosso dia-a-dia. Também a falta de respeito que os alunos apresentam uns com os outros, com os profissionais da escola e com seus próprios pais é impressionante.
Os jovens não sabem mais dialogar, falam com as mãos, dando empurrões, atirando coisas uns nos outros, se comunicam através de xingamentos e se ofendem mutuamente o tempo todo. Nos horários de intervalo de aulas, pela faixa etária que freqüenta a escola onde atuo, tentamos interagir com eles, pedir que não se empurrem nem se machuquem, mas de nada adianta. Parece que não se importam em ver o colega “sangrando”, o que acaba por acontecer pelo menos uma vez por semana. Os pais são constantemente chamados e comparecem, mas não resolvem. Alegam que não sabem mais o que fazer com os filhos, pois este não obedece e os desrespeitam. Chegam a pedir o encaminhamento dos filhos ao Conselho Tutelar. Muitas vezes convidei pais e responsáveis que venham nos ajudar nos intervalos das aulas com a indisciplina, pois só contamos com uma agente de organização escolar por período de funcionamento, mas nunca nenhum deles apareceu. Só aparecem quando são chamados. A reunião bimestral de pais é razoavelmente freqüentada. Os pais que tomam parte do conselho de escola ou da APM, são conquistados com muita dificuldade.
Em contrapartida, os professores são entrosados entre si. Nas confraternizações promovidas pela escola, demonstram grande carisma e apreço uns com os outros, embora a rotatividade seja grande, não temos problemas de inimizade ou fofoca entre eles.
Infelizmente não apresentam habilidades com trabalho interdisciplinar, e geralmente acontece uma interação de trabalho maior entre os docentes da mesma área. Temos poucos funcionários, mas são assíduos e esforçados. Temos nossa rotina como muitas escolas. Faço questão de receber diariamente os alunos na porta da escola. Nossos alunos formam grupos por salas, para controlar o acesso ao pavimento superior antes da primeira aula e após o intervalo, evitando confusão nas escadas. Assim sobem uma sala de cada vez. Às quintas feiras cantamos juntos o Hino Nacional nos dois períodos de funcionamento e com todas as turmas no pátio escolar antecedendo o início das aulas. Pátio este, que deveria ser maior para a demanda da nossa escola. Não temos refeitório o que torna o pátio ainda menor já que o espaço se divide com as mesas para a refeição dos alunos. Aliás, nossa infra-estrutura metálica, em padrão NAKAMURA, não é das mais adequadas. Não contamos com biblioteca ou sala de leitura e quadra poliesportiva coberta. O isolamento acústico não é eficiente e a escola é altamente barulhenta, além de “fritarmos” no verão e congelarmos no inverno. Nossa sala de informática não é apropriada para receber uma turma com 35/40 alunos e acaba não sendo usada pelos professores e alunos da forma como deveria. Não temos salas ociosas para aulas de recuperação paralela no contra turno, e estas são improvisadas na sala de vídeo e sala de informática. Possuímos alguns materiais pedagógicos pouco utilizados, embora os professores tenham conhecimento deles.
As escolas vizinhas apresentam algumas das mesmas características, no que se refere à rotatividade, acúmulo, absenteísmo de professores e divisão de jornada de trabalho docente em mais de uma unidade escolar. Sabe se também que a violência e falta de respeito entre os jovens tem sido geral. No entanto, em nossa unidade escolar não existe o uso ou tráfico de drogas pela faixa etária que atendemos em correspondência das escolas da região que enfrentam mais esse problema.
Na escola em que estudei, os alunos se respeitavam e sinceramente não me lembro da existência de drogas. A incidência de brigas entre os alunos eram minúsculas. Se por medo, ou por respeito, o fato é que nunca desacatávamos os professores. Imperava sempre o silêncio e quem não fazia as atividades, ia mal às avaliações e repetia o ano, o que implicava em apanhar dos pais em casa. Novamente digo, não sei se por medo da repetência, de apanhar dos pais ou não, só sei que estudávamos e aprendíamos. Quem não estudava saia da escola sem aprender, mas sem atrapalhar aqueles que valorizavam a escola, queriam estar nela e se esforçavam em avançar com uma educação de qualidade. Naquela época formavam-se alguns e muito bem. Outros eram excluídos. Hoje se formam todos e muito mal (ou apenas todos passam pela escola?). O que permaneceu foi a estrutura, as carteiras, a lousa, o “janelão” e a porta. Também foi mantida a merenda escolar, a presença de um diretor, dos professores, a burocracia, a diretoria de ensino, anteriormente “delegacia de ensino”. Se pusermos numa balança, perdemos a qualidade, mas ganhamos a inclusão social das massas populares; perdemos a repetência e o júbilo, mas ganhamos a progressão continuada (e isso foi bom ou ruim?); perdemos o autoritarismo, mas ganhamos democracia e construímos a autonomia (construímos?); perdemos o controlador de fluxo e ganhamos as grades, travas e cadeados; perdemos o dentista, e não ganhamos nenhum profissional da saúde; perdemos a auto-estima enquanto profissionais da educação, mas muitos ainda não perderam a esperança, estamos quase perdendo a força, mas ainda estamos em pé.
Penso que com as reformas nos planos de carreira e da remuneração do quadro do magistério que vem sendo estudada desde 2009, ainda conseguiremos vislumbrar a associação da inclusão social à qualidade de ensino. Isso depende de uma dedicação e comprometimento maior por parte de alguns docentes, que por excesso de trabalho não conseguem oferecer. Uma das propostas do sindicato da categoria é que o professor tenha jornada integral de 40 horas semanais, sendo que 20 horas de trabalhos realizados em salas de aulas com alunos, 10 horas de trabalho pedagógico coletivo para estudo, formação e construção do projeto pedagógico e 10 de trabalho em local de livre escolha, para o preparo de suas aulas, com oferecimento de um salário digno. Também se faz necessário o aumento do módulo de funcionários nas escolas para fins administrativos, atendimento ao público, segurança e limpeza do prédio escolar. Seria interessante se cada escola pudesse voltar a contar com um controlador de fluxo e com uma zeladoria, o que implicaria em maior segurança. Minha visão é que, enquanto não tivermos a exclusividade do profissional docente em uma única escola, não conseguiremos atingir com êxito, a aspirada mudança de práticas docentes, compromisso e maior engajamento no preparo de aulas diferenciadas de acordo com a clientela de cada sala de aulas.
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