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Diretora de Escola Pública Estadual

quarta-feira, 16 de março de 2011

Condições de Trabalho Docente X Trabalho Coletivo

Nossos professores não são remunerados adequadamente e se vêem obrigados a acumular jornadas duplas (quando não triplas) de trabalho, executam as mudanças elaboradas pelos peritos em educação, sem qualquer interferência por parte deles, assumindo quase sempre a culpa pelo fracasso dos resultados escolares.
Importante notar que nos últimos anos as questões sociais das escolas foram ampliadas e concomitantemente, as responsabilidades das escolas e seus professores tiveram aumento significativo. Esses fatores associados a sobrecarga de trabalho, a declínio de poder do magistério e a diminuição da expectativa social com relação à escola, parecem características da profissão docente.
Esse contexto vem gerando entre nossos professores altos índices de “burnout”, que para Codo e Vasques-Menezes (1999 apud Abreu, 2002), consiste na “síndrome da desistência”, pois o indivíduo, nessa situação, deixa de investir em seu trabalho e nas relações afetivas que dele decorrem e, aparentemente, torna-se incapaz de se envolver emocionalmente com o mesmo.

“Os seres humanos poderiam entrar em burnout ao se sentirem incapazes de investir em seu trabalho, em conseqüência da incapacidade de lidar com o mesmo.” (Codo & Vasques-Menezes, 1999).

Esse processo vem sendo fortalecido com a implementação das últimas reformas educacionais, onde não existiu a participação docente enquanto idealizadores, tal como a progressão continuada, a avaliação externa, a reorganização escolar da rede física, as salas ambientes, a implantação de projetos, a flexibilização do ensino médio e outras medidas que foram alterando profundamente a rotina escolar.

“Decorrente da ampliação do papel docente parece que estamos diante de uma mudança na especificidade do trabalho docente desses professores: se, nos períodos anteriores, a escola secundária tinha o conhecimento como foco central, hoje essa idéia parece opaca, visto que em alguns momentos os professores até "abrem mão" do acadêmico para suprir aquilo que as famílias e a sociedade não oferecem a seus jovens alunos.” (LOURENCETTI, 2004, p.144)

Nos países desenvolvidos, as escolas públicas contam com profissionais específicos e qualificados para atendimento de algumas necessidades tal como enfermeiros (paramédicos), profissionais do serviço social, psicólogos e funcionários técnicos, além da equipe de especialistas em educação - incluindo orientadores e administradores. No Brasil, as expectativas com relação aos professores é que desempenhem a função de todos esses profissionais em suas jornadas de trabalho. Além disso, nos países desenvolvidos, professores e alunos permanecem durante período integral na escola, enquanto no Brasil, a maioria dos professores correm de uma escola para a outra na tentativa de conseguir um salário digno.
No entanto, no final do século passado, contrariando o fato de que os professores vinham simplesmente executando planos elaborados por especialistas, passou-se a desejar que este fosse capaz de construir projetos educativos e criasse alternativas de ação político-pedagógica.
Acreditou-se que os professores poderiam enfrentar seus problemas, dificuldades no ensinar-aprender e conquistar a autonomia, arquitetando uma escola mais justa e democrática, através do trabalho coletivo de seus membros, visando a construção de seus Projetos Pedagógicos. A teoria de que a autonomia seria atingida foi muito bem recebida, porém ignorou de imediato as reais condições de vida e trabalho de professores e escolas.
Como dito anteriormente, os professores são sempre apontados como responsáveis pelas falhas das reformas educacionais, e na maioria das vezes esse apontamento vem associado a acusação de que isso ocorre em virtude de suas resistências a mudanças, mas essa questão pode ser reconsiderada se nos propormos a uma interpretação a partir de seus saberes e de suas condições de trabalho.
É nesse ponto que se encaixa o objetivo deste estudo, ou seja, na problematização da incompatibilidade entre as condições de trabalho a que estão submetidos os professores e o princípio do trabalho coletivo na escola.
Apesar de algumas pesquisas afirmarem que inexiste correlação entre a competência docente e o salário recebido por essa classe trabalhadora, pela nossa experiência, cremos que existe uma profunda correlação entre salário, condições de trabalho e envolvimento dos professores com escolas e projetos. Esse fato é constado por professores lecionarem em duas ou três escolas, de preferência que uma delas seja privada onde os salários são mais rentáveis, ou ainda, chegarem a abandonar a escola pública, caso a escola particular lhes ofereça maior número de aulas, e essa escolha aparentemente não tem nenhum compromisso político ou ideológico.
Os docentes da escola pública afirmam que existe a real necessidade de se obter uma renda familiar que condiga com o pagamento do combustível que o transporta de uma escola para outra, ou em poder possuir a assinatura de uma revista/jornal, ou possuir um plano de saúde ou ainda ironicamente, pagar a escola particular dos filhos.
E não é raro que as escolas particulares, que almejam conquistar cada vez mais alunos e prezam pelo trabalho docente competente, busquem nas escolas públicas os bons profissionais, e acabem por conquistá-los pelos melhores salários que oferecem.
Outro ponto muito comum daqueles que permanecem na escola pública, é o comércio promovido pelos docentes, por exemplo, de bijuterias, cosméticos ou lingerie e que ocupam os horários de intervalos e as salas de professores como forma de complementação ao salário docente.
E é nesse contexto tumultuado que a escola tenta realizar um trabalho coletivo, sendo que com a sobrecarga docente, fica quase que impossível conseguir um único horário para que se efetive tal trabalho com todos os professores. Algumas escolas são obrigadas a realizarem três ou quatro horários diferenciados de trabalho pedagógico coletivo – HTPC, para atender as diferentes jornadas de trabalho semanal que cada docente realiza em mais de uma unidade escolar, o que acaba por nunca se conseguir um momento de reflexão coletiva com todos os membros, onde prevaleça a formação, a busca de alternativas para os problemas cotidianos e, até mesmo, o desenvolvimento de projetos gestados pela própria escola. A intinerância somada ao absenteísmo e a rotatividade docente, realçam a dificuldade na conquista de um trabalho integrado com toda a equipe. A rotatividade, quando a pedido do profissional, por exemplo, por concurso de remoção, pode atingir além dos professores, no caso diretores, coordenadores pedagógicos e supervisores, o que descaracteriza ainda mais o trabalho coletivo.
Caso a escola consiga superar todos essas barreiras, ainda poderá deparar com a falta de valorização de práticas coletivas de decisão no seio escolar onde sempre foi imperado o autoritarismo, totalmente incompatíveis com Projeto Pedagógico e a democracia.
Mesmo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional-LDBEN, recomendando a elaboração do Projeto Pedagógico implicando a autonomia em fazê-lo, continuamos a identificar no cotidiano das escolas certa homogeneidade com relação a horários e períodos letivos até o desenho curricular e a composição do corpo docente e técnico, ou seja, a grande maioria de nossas escolas possuem normas e procedimentos padronizados.
A autonomia oferecida às escolas pode estar se constituindo em uma armadilha no sentido em que o controle apresenta-se atualmente de forma mais sutil, embora seja pedido que não se confunda autonomia com anomia, se não for cumprido o Currículo do Estado de São Paulo, por exemplo, podemos correr o risco de sofrermos prejuízos no Bônus , por não atingirmos os Índices de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo – IDESP, esperados nas avaliações externas.
Então nossa autonomia parece ser semelhante à de um animal preso a uma árvore por uma corda. O animal só poderá avançar até onde a corda lhe permita. Assim nossas escolas, conseguindo vencer os problemas anteriormente citados, terão uma margem muito pequena que lhe permitirá percorrer curtos limites até esbarrar no sistema burocrático de controle.
Outro exemplo que demonstra a falta de autonomia nas escolas e dos professores pode ser ilustrado pelo grande número de "projetos" que têm chegado até nós (incluindo temas como educação sexual, saúde, meio ambiente, energia) e que não possuem consulta prévia aos professores e nem garantia de condições favoráveis (materiais ou tempo) para que possam ser desenvolvidos. “Somos obrigados a fazer e pronto!” é queixa dos professores que, numa clara percepção de professor-executor, se sentem usados para a realização de trabalhos que muitas vezes desconhecem ou não concordam.

Como diz Oliveira,

“A pedagogia de projetos, a transversalidade dos currículos, as avaliações formativas, enfim, são muitas as novas exigências que esses profissionais se vêem impelidos a responder. Sendo apresentadas sob o manto da novidade, essas exigências são tomadas como um imperativo por esses trabalhadores.” (Oliveira, 2003, p.34)

Assim, momentos que deveriam acontecer regados a reflexão e planejamento coletivo tornam se raros, pois o pouco tempo que conseguimos com os sujeitos da escola ficam tomados por atividades burocráticas somadas ao surgimento de reformas educacionais, geralmente distintas de um governo para o outro. Essa situação se agrava quando se esbarram no desânimo e descrédito por parte dos professores, na eficácia dessas novas reformas.
No entanto, desastrosamente existe grande expectativa de que a escola pode mudar, que tudo será inovador e a qualidade do ensino será garantida mediante a autonomia oferecida pela LDBEN e o trabalho coletivo nas escolas.
Penso que estamos vivenciando uma visão fantasiosa ou mágica, como se a solução para todos os problemas da educação brasileira está no trabalho coletivo, que além do mais, nessas condições de trabalho, com a instabilidade do corpo docente e técnico das escolas, sabemos que não acontecerá.
Só nos resta esperar que as políticas públicas criem mecanismos de assegurar um corpo estável de profissionais, com possibilidades de dedicação exclusiva a uma única escola, salários e condições dignas de trabalho.
Acreditamos que as reformas educacionais devem ser favoráveis as concepções e condições de trabalho dos professores. O que estamos vivenciando são a autonomia e o trabalho coletivo de um lado, controle e padronização do outro, portanto, o grande desafio continua sendo aproximar teoria e prática


Bibliografia
ABREU, Klayne Leite de et al . Estresse ocupacional e Síndrome de Burnout no exercício profissional da psicologia. Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 22, n. 2, jun. 2002 . Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932002000200004&lng=pt&nrm=iso acesso em 15 mar. 2011.

LOURENCETTI, G.C. Mudanças sociais e reformas educacionais: repercussões no trabalho docente. 2004.161f. Tese ( Doutorado em Educação Escolar). Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2004.

OLIVEIRA, Dalila Andrade. As reformas educacionais e suas repercussões sobre o trabalho docente. In: OLIVEIRA, D.A. (org) Reformas educacionais na América Latina e os trabalhadores docentes. Belo Horizonte: Autêntica, 2003, p 34.

SILVA, M Helena G. Frem Dias-da et al. AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DOS PROFESSORES E O TRABALHO COLETIVO: MAIS UMA ARMADILHA DAS REFORMAS EDUCACIONAIS NEOLIBERAIS? Disponível em: http://www.fae.ufmg.br/estrado/cd_viseminario/trabalhos/eixo_tematico_1/as_condicoes_de_trab_do_prof.pdf acesso em 15 mar. 2011.



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